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07/08/2019 Denilson Mariano da Silva Edição 3914 Teologia: um cultivo necessário
F/ Sergio R. Conte
"O papel da Teologia, não é derrubar as verdades da fé. Sua tarefa é ir ao encontro do Mistério de Deus. E mistério não é o que não pode ser conhecido. Mistério não é o limite para o conhecimento, mas é o ilimitado, o que não se esgota"

 

Denilson Mariano

 

De vez em quando em nossas comunidades, encontramos pessoas que dizem ter medo da teologia. Têm medo de que a teologia possa abalar a sua fé. Outros desconfiam dos teólogos sob a alegação de que eles não acreditam em milagres e desmistificam a fé. Por outro lado há quem aposte toda a sua fé na doutrina e no Catecismo da Igreja e deixa a Palavra de Deus em segundo plano. Ao que parece, não há clareza, falta entendimento, e o preconceito leva a um clima de reservas e insegurança. Por sua vez, essa falta de segurança leva as pessoas a se agarrarem a meia verdades e isso as impedem de progredir. Aliás, progredir é algo a que Jesus assumiu em sua vida e algo que todos nós devemos buscar: “E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2,52).

 

Um olho no retrovisor outro para frente

É importante termos bem claro que teologia não é propriamente uma ciência sobre Deus. Ora, uma ciência de Deus só é possível a Ele mesmo é nós não temos acesso a ela. Melhor entendido, Teologia é o que nós pensamos e refletimos à luz de Deus. Trata-se da busca sincera de compreensão das coisas que Deus revela a nós seus filhos e filhas. É por esse motivo que tudo o que diz respeito ao ser humano interessa à Igreja e é olhado por ela a partir da luz de Deus, da luz das Escrituras. É por isso que a Teologia é tão importante para a Igreja e para todos os cristãos.

A teologia tem sempre um olhar para traz e outro para frente. O olhar para trás, no retrovisor, é o retorno à Tradição, para aquilo que já foi anunciado, descoberto e ensinado sobre as questões da fé. O olhar para frente se dá na busca de responder aos desafios da nossa realidade. Que dirige um carro com segurança, sempre está atento em olhar o retrovisor, mas mantém seus olhos atentos à estrada à sua frente. Quando olhamos para Jesus, vemos que Ele, constantemente articula essas duas atitudes, ou seja ele faz esse movimento de olhar para trás e busca responder às realidades à sua frente.

Por exemplo, diante da lei que oprimia o povo, Jesus faz uma nova leitura da lei (da tradição) tendo como regra maior o amor. Vejamos como Jesus faz teologia tendo um olho no retrovisor e outro voltado para frente: “Você ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho, dente por dente!’ Eu porém lhes digo: não se vinguem de quem faz mal a vocês!...” Ou “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie a seu inimigo!’ Eu porém lhes digo: amem os seus inimigos...” (Mt 5,38; 43). Jesus traz consigo a Lei, a Tradição, mas a corrige naquilo que lhe faltava em amor. Jesus busca elevar a lei à sua plenitude: o Amor. A luz de Deus levava Jesus a reler a Tradição com os óculos do Amor e assim Ele a levava à plenitude. O Novo Testamento está cheio destas atitudes de Jesus. Isto é o suficiente para deixar claro que Jesus é a chave de compreensão de toda as Escrituras e de toda a Tradição.

 

Limpar “os olhos” da mina

A Tradição da Igreja não é como um baú fechado, cheio de coisas velhas que precisariam apenas ser recuperadas. A Tradição não é como um relicário antigo que, se basta limpar e dar um novo lustro. A Tradição é como uma fonte de água viva que se renova sempre e à qual voltamos para saciar a sede e seguir nossa jornada. A fonte é antiga e sempre esteve aí, no entanto, na medida em que limpamos os olhos da mina, brota uma água nova. A fonte é velha, mas a água é sempre nova. Podemos dizer que esta é a tarefa dos teólogos: limpar constantemente “os olhos” da mina por meio da qual Deus nos revela seus mistérios.

O papel da Teologia, não é derrubar as verdades da fé. Sua tarefa é ir ao encontro do Mistério de Deus. E mistério não é o que não pode ser conhecido. Mistério não é o limite para o conhecimento, mas é o ilimitado, o que não se esgota. Deus é Aquele que por mais que conheçamos, não se deixa esgotar. Deus é uma fonte inesgotável, por mais que bebamos de sua água, não seremos capazes de beber tudo. Deus é maior que nós, nos ultrapassa, mas uma coisa é certa, nós podemos conhecê-Lo sempre mais...

E mais bonito ainda é nos dar conta que Deus quis se fazer humano, plenamente humano. Deus se encarnou em nossa humanidade. Assim como a água que jorra da mina gera vida por onde passa, Jesus, expressão do Amor do Pai, assume a nossa humanidade e se torna uma fonte de água viva (cf. Jo 4,14). Jesus assume a nossa condição limitada, para nos ensinar que é possível amar, é possível viver como Ele viveu. A Teologia deve nos ajudar a compreender que Jesus era “tão humano, que só podia ser Deus”. Ao revelar-se em nossa humanidade, Deus se revela pequeno, pobre, sofredor, Deus se revela limitado, frágil, Deus se revela como puro amor, pura entrega, pura doação... Fonte de vida e de esperança para todos (cf. Jo 10,10).

 

Redescobrir os traços mais originais

Muitas vezes, não nos damos conta disso. As ideias de Deus que chegam a nós chegam carregadas de marcas culturais, históricas, chegam revestidas de atitudes que não conferem que o Jesus dos Evangelhos. Outras coisas se misturam à fonte e alteram suas propriedades e lhe roubam as suas características mais originais. Por isso, embora não seja uma prática nova, hoje em dia a Teologia tem usado a palavra “decolonial” para identificar melhor o que fato procede do Evangelho, o que de fato pertence à sadia Tradição Cristã, daquilo que foi acrescentado depois.

Talvez uma outra imagem nos ajude. Algumas Igrejas antigas tinham belas pinturas e cores muito originais. Depois, com o passar do tempo foram sendo aplicadas outras tintas, outras cores, outros desenhos, bem diferentes das pinturas originais. Algo semelhante parece acontecer na Igreja: o que foi ensinado por Jesus, o que foi a experiência de conviver com Ele, a prática de fé das primeiras comunidades cristã nos primeiros séculos da Igreja foi sendo revestido por outras cores e outros contornos que não eram os do Evangelho. Eram traços e modos de agir mais próximos dos reis e imperadores, daqueles que dominavam a sociedade, a política e passam a dominar também a religião. Através dos tempos, tudo isso foi acrescentando na prática de fé cristã, outras tintas, outras cores e formatos que se distanciaram do projeto original de Jesus.

Por isso Teologia tem feito um esforço de “limpar os olhos da mina”, tem feito o esforço de recuperar a “pintura originária” dos Evangelhos e da Tradição Cristã. O nome que recebeu esta iniciativa foi: “Teologia decolonial”. Trata-se da busca de pensar e refletir sobre a fé cristã superando os traços de dominação ou de colonização que foram impostos à Igreja e aos povos. Ela quer nos ajudar a nos aproximar mais do projeto de Amor primeiro que Jesus nos revelou.

Neste sentido, aconteceu em Belo Horizonte-MG, um importante congresso de Teologia. O 32º Congresso Internacional da SOTER – Sociedade de Teologia e Ciências da Religião. Durante quatro dias, pensadores cristãos, teólogos, cientistas da Religião, estudantes de pós-graduação e pesquisadores de áreas afins, tanto em nível nacional como internacional se reuniram para aprofundar a reflexão teológica diante da realidade de hoje. Este encontro aconteceu de 9 a 12 de julho de 2019 – no Teatro da PUC Minas/BH/ O Tema do encontro foi: Decolonialidade e práticas emancipatóriasNovas perspectivas para a Área de Ciências da Religião e Teologia.

O objetivo era buscar luzes e inspiração para caminhar na direção de uma reflexão madura e comprometida com a vida do povo que leve à emancipar-se, a libertar-se de tudo o que nos impede de beber a água viva que Jesus nos serve no Evangelho e a recuperar os traços mais originais da fé cristã. Por tudo isso a Teologia é não apenas útil, mas extremamente necessária para nos ajudar a aproximar de Deus e dos irmãos, numa caminhada de fé madura, responsável e comprometida com a defesa da vida.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

F/ Observatório de Evangelização

F/ Sergio R. Conte

 

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