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16/06/2020 Dom Edson Oriolo Edição 3925 Tempo e espaço na dinâmica da evangelização
F/ Pixabay
"A evangelização precisa de “processos possíveis e estrada longa”"

Dom Edson Oriolo

 “O tempo é superior ao espaço” ensina o Papa Francisco. As categorias clássicas das ciências da natureza se tornaram, portanto, um elemento primordial no pensar pastoral. De fato, tempo e espaço são conceitos de destacada preeminência na vida do Homo Sapiens (Szamosi, 1994), que influenciam todas as relações humanas, deles não prescindindo o anúncio da Boa Nova revelada.

Aristóteles concebe o espaço como um lugar, ou seja, posição de um corpo em relação aos outros (Abbagnano, 2003) e o tempo como a medida do movimento segundo o antes e o depois (Aristóteles, 1931, IV, 17). O tempo é fluido e seu fluxo é constante. O espaço é fixo e permanente.

Nas circunstâncias em que estamos vivendo, as discussões sobre a dinâmica da evangelização, mesmo que não nos seja perceptível, tem por “pano de fundo” a relação entre tempo e espaço. É importante que a clareza de conceitos conduza nossas iniciativas para não mergulharmos no vazio, sobretudo em situação inédita, inusitada e incerta. Que o tempo de pandemia nos ensine alguma lição!

 

Novos desafios

A preocupação em “lançar as sementes do Verbo”, pela pregação da Palavra e a celebração dos mistérios da fé, em tempos de pandemia, causa implicações graves, não apenas no cumprimento de nossa vocação eclesial, mas, sobretudo, na própria compreensão da missão evangelizadora.

Embora se evidencie com maior intensidade na situação atual, a percepção de que o tempo vem mudando a noção de espaço, não é totalmente nova. Ao largo dos apelos do Concílio Vaticano II, Evangelii Nuntiandi e da Evangelii Gaudium, não assumimos que o tempo está impondo um novo espaço, o virtual.

A pandemia torna mais explícito que estamos geograficamente próximos, mas nossa comunhão, quando acontece, é virtual. O nosso tempo é real, mas o espaço que temos para evangelizar é diversificado. O resultado é um novo modelo de querigma, que enseja frutos, mas inspira, por outro lado, questionamentos.

As comunidades eclesiais missionárias, que são a visibilidade da Igreja (cf. SC 7), lugar do encontro com Cristo, da partilha, e da convivência, estão fragmentadas, fruto das imposições sanitárias, expressando-se, agora, nos ecrãs virtuais. Um dos desafios mais prementes é a dificuldade de celebrar os mistérios da fé. Fomos catequizados para rezar, mas não para celebrar a nossa fé, ainda mais nos espaços externos ao culto.

Corremos o risco de supervalorizar e considerar ser o bastante a assistência dos ritos religiosos pelos meios de comunicação, ignorando a grave deficiência de não sabermos celebrar a fé no espaço familiar, resultado de uma catequese deficitária que não potencializa uma vivência intensa da fé fora do espaço sagrado. A relação confusa entre celebração eucarística e culto da eucaristia, tão notória nas últimas semanas, demonstra como a devoção descontextualizada, revela uma teologia litúrgica e sacramental muito frágil, com possíveis consequências para a evangelização.

 

Sinais positivos

No entanto, há também sinais positivos. Para encetarmos métodos e melhorar a dinâmica da evangelização, na perspectiva da auto-organização no tempo e no espaço, basta focar a máxima de Francisco, na exortação apostólica Evangelli Gaudium (cf. 222-225), quando afirma que o “tempo é superior ao espaço”. Esta expressão, no pensamento de Francisco, é muito importante, pois aparece na Lumen Fidei (LF), n. 57, na Laudato Si (LS), n. 178, na Amoris Laetitia (AL), n. 261 e, recentemente na Christus Vivit (CV), 297.

Quando Francisco faz esta afirmação, ele quer dar centralidade ao tempo em prol do Reino de Deus, mas sem pressa e sem obsessão por resultados imediatos. Dar prioridade ao tempo em relação ao espaço é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços. É privilegiar ações que geram novos dinamismos na sociedade, comprometendo pessoas ou grupos que realizarão ações que frutifiquem em testemunhas eclesiais mais condizentes com os novos tempos e espaços sociais.

Focar o tempo em relação ao espaço implica em não se deixar seduzir por meras ações conjunturais, mas ser capaz de traçar caminhos, definir estratégias, desencadear processos que façam germinar novas realidades e estar disponível para potencializá-las. Nesta perspectiva, devemos investir nas pessoas, ou melhor, no protagonismo da pessoa – imagem de Deus. A lógica de Deus é caminho, processo, diálogo, comunhão, missão, cultura, participação, encontro para transformar quem temos à nossa frente e nunca ferir a dignidade.

O primeiro desafio é chegar até as pessoas. A experiência eclesial exige proximidade, que gera o sentimento de pertença. Embora o isolamento social esteja limitado a um período de tempo e não represente um afastamento social prolongado de pessoas que não desejam conviver socialmente como os hikikomori (jovens que se afastam da convivência social), o imperativo de um novo diálogo evangelizador, redimensiona a nossa metodologia e nos leva a rever conceitos.

 

Instaurar processos

A evangelização precisa de “processos possíveis e estrada longa”. A esperança que sustenta a caminhada é ser capaz de gerar processos, ações que tragam transformações e mudanças profundas. Sair da pastoral de manutenção para uma pastoral que forme discípulos missionários, que seja profética e misericordiosa. A pastoral deve ser planejada, dando superioridade ao tempo sobre o espaço como estratégia para, a longo alcance, chegar à plenitude.

Precisamos assumir, não apenas no contexto da pandemia, mas como imperativo de um novo tempo, a urgência de trabalhar conceitos como: evangelizar, administrar, partilhar, catequisar, celebrar, rezar / orar, contemplar, meditar... Julga-se que acompanhar um ritual pela TV ou on-line é o suficiente, mas isso pode estar no nível do antigo “assistir missa”. É inegável que há um valor, sobretudo em situações como a atual ou para pessoas impedidas de participar de nossas assembleias, mas, em termos de teologia pastoral, é preciso priorizar uma catequese efetiva e mistagógica, proativa e resiliente.

Francisco convida a Igreja a recuperar o frescor original do Evangelho, do qual “despontam novas estradas, métodos criativos, outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de renovado significado para o mundo atual” (EG, 11).

 

* Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG


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