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23/08/2022 Frei Edimar Fernando Moreira Edição 3950 Só irmão, só...?
F/ Lutador
"A própria necessidade de “defender” o modo de vida do irmão, inclusive dentro da própria Vida Religiosa Consagrada (VRC), já revela uma lacuna de compreensão na formação religiosa como um todo. Para ilustrar essa realidade, encontramos facilmente irmãos aptos a darem exemplos de situações em que tiveram sua vocação questionada por toda sorte de fiéis na Igreja, inclusive bispos, religiosos presbíteros e religiosas."
“Você, então, é só irmão?” escutam com alguma frequência aqueles que abraçam a vocação como religioso irmão. A pergunta apresenta um empasse de compreensão. O adjetivo “só” deixa transparecer claramente uma noção de falta de algo, de ausência. Lamentavelmente, ainda existe certa mentalidade equivocada de que tais religiosos não são nem presbíteros nem seculares, mas que estão situados no meio do caminho, incompletos, indefinidos. 
 
Sabemos, porém, que a vocação do irmão, assim como da irmã, é um estado completo de profissão dos conselhos evangélicos em si (Perfectae Caritatis 10). Prefiro, por isso, dizer, inspirado em um mantra composto por irmãos Maristas, que não sou “só irmão”, mas “simplesmente irmão”. Se o adjetivo “só” pode remeter a uma visão pejorativa, o advérbio “simplesmente” se apresenta como modalidade positiva de qualificar tal vocação: somos (simplesmente) irmãos, e isso basta!
 
A própria necessidade de “defender” o modo de vida do irmão, inclusive dentro da própria Vida Religiosa Consagrada (VRC), já revela uma lacuna de compreensão na formação religiosa como um todo. Para ilustrar essa realidade, encontramos facilmente irmãos aptos a darem exemplos de situações em que tiveram sua vocação questionada por toda sorte de fiéis na Igreja, inclusive bispos, religiosos presbíteros e religiosas. Só o questionamento desses já parece indicar uma incompreensão da própria vocação que cada um deles assumiu na Igreja a partir do senso de comunhão.
 
Por isso, é preciso aprofundar nossa reflexão sobre o tema. O Concílio Vaticano II, ao pedir que toda a Igreja voltasse às fontes, produziu uma redescoberta da riqueza da vida e da missão do irmão. Em chave conciliar, compreenderemos que a vocação do religioso e da religiosa consiste em buscar colher frutos mais abundantes da consagração batismal (Lumen Gentium 44). A fundamentação da vocação religiosa, portanto, está no próprio batismo como tal. 
 
No princípio, a maioria dos religiosos era leiga. Figuras importantes de nossas origens, como Antão, Pacômio e Bento assumiram a vocação de irmão e deram testemunho eloquente da boa nova do reino. Com o passar do tempo, o quadro mudou e, em muitas instituições masculinas, o paradigma do religioso passou a ser o religioso presbítero.  
 
A temática da vocação religiosa laical tem sua razão teológica na figura do próprio Cristo. Jesus, filho de Deus, se fez nosso irmão e nos faz irmãos uns dos outros. Por Ele, na ação do Espírito Santo, nos tornamos todos irmãos (cf. Mt 23,8). Em um sentido teológico, essa vocação constitui uma manifestação visível da realidade nova na qual os cristãos são introduzidos pelo batismo. Refere-se, antes de tudo, a um convite ao respeito mútuo, baseado numa raiz de igualdade fundamental dos membros da mesma comunidade e, por extensão, de todo ser humano em Cristo.
 
Em chave eclesial, os irmãos recordam a experiência da comunidade primitiva (cf. At 2.4). Em diversos momentos da história da Igreja, muitas vezes cruciais, ressurgem formas de vida laical. Os irmãos manifestam mais visivelmente que a vocação universal do Povo de Deus tem sua raiz no batismo e na confirmação. Tal vocação ajuda a compreender melhor o que é a Igreja: comunidade do Povo de Deus, lugar de comunhão de membros fundamentalmente iguais, mas com ministérios diferentes.  
 
Na vida pastoral, uma melhor compreensão da vocação do irmão proporcionaria uma acolhida mais apropriada dessa vocação e um incentivo dela. É muito comum encontrarmos pessoas que têm dificuldade de assimilar tal modo de vida. Compreendem tais religiosos como inferiores. Mas quando descobrem as qualidades, sejam pessoais, técnicas ou espirituais, são capazes de reconhecer neles a plenitude de uma vocação original e feliz. Por isso, faz-se necessário, ao irmão, uma boa base que o qualifique para o serviço pastoral.
 
O reconhecimento da singularidade e atualidade da vocação do irmão é urgente. Em vários países ou regiões, encontros e seminários têm fomentado essa discussão. Os últimos papas também têm acenado para a importância dessa vocação para a Igreja. Um marco importante foi a abordagem do tema no Sínodo da Vida Religiosa (cf. Vita Consecrata 60-61, 1996) e o surgimento do documento Identidade e Missão do Religioso Irmão na Igreja (2015), da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica. Na CRB Nacional, a partir do V Seminário Nacional de Religiosos Irmãos, em 2019, criou-se um Grupo de Trabalho permanente para animar e refletir sobre esse modo de vida.  
 
No livro “Simplesmente irmão: um olhar sobre a vocação do religioso irmão na Igreja” (Edições Loyola; 2019; 241 p.), frei Edimar Fernando Moreira, Carmelita, também busca contribuir no aprofundamento do tema. Ele identifica, a partir da teologia da VRC conciliar, as características específicas da vocação do irmão, em uma ordem clerical, como sinais de esperança para a vida religiosa hodierna. 
 
Além de uma apreciação ampla de documentos da Igreja que versam sobre a vocação do irmão, na primeira parte, há três elementos essenciais que norteiam seu trabalho. Eles são comuns a todo cristão, mas vividos, em sua particularidade, pelos irmãos. A consagração recorda Jesus como o consagrado do Pai para anunciar a boa nova; a fraternidade nos coloca em sintonia com Jesus, nosso irmão; o serviço apresenta a proposta de Jesus de doação de si mesmo para servir ao mundo. Essas dimensões teológicas convidam o irmão a redescobrir a riqueza de sua vocação batismal, a buscar relações mais horizontais e a inspirar-se para uma vida de doação, a partir da complementaridade de ministérios, a serviço da Igreja e do mundo.
 
Os irmãos, portanto, assumem o compromisso público de tornar o rosto de Jesus-irmão visível. A VRC quer ser sinal de que o mistério de Cristo se realiza já na contingência de nosso tempo, aqui e agora, por meio da Igreja. Por isso, “a vocação do irmão não é apenas a de ser destinatário do amor de Deus, mas também a de ser testemunha e mediação do mesmo dom”. Tal modo de viver carrega potencialmente, ao valer-se da palavra “irmão”, a condição de ser “mediador do amor de Deus” (cf. Identidade e missão dos religiosos irmãos, 2015, n.13). 
 
Frei Edimar Fernando Moreira, Carmelita
 
Fonte: CRB 
 
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