Wilson Cabral e Denilson Mariano
Continuamos nossa reflexão da 1ª Carta de João conforme proposta da CNBB para o Mês da Bíblia. A carta nos aponta a condição fundamental para sabermos se estamos ou não caminhando na luz: a vivência dos mandamentos. Sobretudo o mandamento do amor.
No tempo em que a 1João foi escrita havia um grupo que queria viver a fé apegando-se ao conhecimento racional, agarrados às “verdades da fé”, que seriam reveladas apenas para os escolhidos. Era o grupo dos gnósticos que se espalhou por todas as comunidades dos primeiros séculos. Eles pensavam que a alma vinha de Deus e devia ser salva. O corpo era desprezado e suas ações eram “coisa do mundo”. Para eles era muito difícil entender que Jesus se encarnou de verdade e que o amor e a vivência cristã deveriam se manifestar através de ações de acolhida, misericórdia e solidariedade a favor dos irmãos e irmãs de dentro e de fora das comunidades.
A carta de João afirma que obediência aos mandamentos revela se nós conhecemos ou não a Deus. Não são as ideias, mas nossas ações que revelam que nós somos de Deus. Daí, o autor apresenta três tipos de comportamento:
Na língua grega, em que foi escrito o Novo Testamento, havia três palavras para significar o amor. Eros, que é o amor erótico, sexual; filia, que é o amor amizade, fraterno e ágape que é o amor mais sublime, comprometido, levado às últimas consequências. Na 1João só aparece o amor ágape, o amor mais sublime. E aparece 19 vezes o substantivo “amor”; e 28 vezes o verbo “amar”. Isto nos leva a concluir que João não se refere ao amor-sentimento, descomprometido, líquido, passageiro. João nos revela o jeito de Jesus amar: um amor verdadeiro, firme, disposto a se doar pelos irmãos. O jeito de Jesus deve ser o nosso jeito de amar. Amar como Jesus amou...
Na contramão do caminho de luz, que é o amor, está o ódio o caminho das trevas. Ódio e ressentimento cegam, geram violência, sofrimento e morte. Fazem mal para o corpo e para alma. Nos tornam doentes, sem gosto de viver. Só o amor cura e nos leva à comunhão e à alegria completa.
João anuncia que é chegada a última hora. Para os cristãos das primeiras comunidades a vinda definitiva de Jesus estava próxima. Eles viviam nessa expectativa e nessa esperança. Jesus havia anunciado que o Reino de Deus havia chegado, mas ainda não estava plenamente realizado. Para os primeiros cristãos a ressurreição – ou seja a glorificação de Jesus no pensamento joanino – tinha sido a entronização de Jesus junto de Deus Pai. Daí o que faltava era Ele vir para manifestar definitivamente seu reinado sobre o mundo. E isso seria logo em breve.
Um dos sinais deste final dos tempos seria o surgimento de anticristos – pessoas que se anunciavam como messias e salvador, mas na direção contrária à proposta de vida de Jesus. Em alguns casos, como no Apocalipse esses “falsos Cristos” seriam como a Besta-fera (cf. Ap 13; 2Ts 2,3-8). Mas, naquele momento da história, os autores cristãos perceberam que dentro da comunidade de fé havia pessoas que agiam como o Anticristo. E, por que eles eram chamados de anticristos? Ora, quem recebeu a unção (o Batismo / a Crisma) é chamado de cristão, que significa: outro Cristo. Assim aqueles membros da comunidade que causavam divisões entre os cristãos passaram a ser tratados de anticristos.
Naquele tempo, no modo de pensar de muitas pessoas, as divisões na comunidade, seria um sinal do fim dos tempos. Os anticristos eram pessoas saídas do meio da comunidade. E João, profeticamente, não teve dúvidas ao afirmar que eles “não eram dos nossos” (1Jo 2,19). Mas, somente o juízo, no final dos tempos, dirá quem permaneceu ou não fiel a Deus (cf. 1Cor 11,19).
O importante é que nas comunidades, permaneciam aqueles que eram fiéis: os verdadeiros cristãos. A unção recebida ao entrar na comunidade devia confirmar a verdade dos ensinamentos que lhes foram transmitidos (1João 1,1-2). Essa firmeza da fé se dá pela acolhida do projeto de vida de Jesus através do Espírito Santo. Os anticristos, aqueles que dividiam a comunidade, negavam a encarnação de Jesus e com ela negavam também a sua paixão e a sua morte na cruz. João deixa claro que é necessário crer que Jesus se encarnou na história e devemos permanecer na comunhão com o Filho, para estar com o Pai e para alcançar a Vida Eterna.
Cristãos e anticristos presentes na mesma comunidade. Como saber se estamos certos? A certeza segundo a 1João vem da própria unção. Por ela (Batismo / Crisma) recebemos o Espírito Santo. Somente por Ele e com Ele temos condições de superar os problemas internos e externos da comunidade. O Espírito Santo nos leva a agir como Jesus: próximo dos necessitados, solidário aos sofredores, praticantes do verdadeiro amor. Quem se distancia deste modo de ser e de agir de Jesus, não é movido pelo Espírito Santo. Esta certeza não nos é dada por um acontecimento mágico ou intimista, o Espírito Santo age em nós na medida em que nos abrimos para acolher a Palavra de Deus, o anúncio de nossos pastores, o testemunho dos mártires e pela prática da caridade. É assim que o Espírito Santo age em nós e em nossas comunidades.
A proposta da Carta de João nos motiva permanecer em Jesus. Isto significa perseverar na participação da comunidade, nos Sacramentos, nos Grupos de Reflexão, na leitura orante da Palavra de Deus, no cuidado com os mais pobres... Isto é permanecer em Deus. Desse modo não seremos confundidos, não seremos anticristos.
Para aprofundamento: Em relação à violência e à questão das armas, estamos sendo filhos da luz ou filhos das trevas? Por quê?