Em sua carta encíclica Humanae Vitae [Da vida humana] de 1968, meu predecessor São Paulo VI advertiu sobre a tentação de ver a vida humana como mais um objeto sobre o qual os poderosos e os ilustres poderiam exercer seu domínio. Que profética é hoje a sua mensagem!
Quando negligenciamos o bem comum
Na atualidade, o diagnóstico pré-natal é usado, comumente, para filtrar os considerados fracos ou inferiores, enquanto, no outro extremo da vida, a eutanásia vai se tornando normal; ou às claras, mediante leis de suicídio assistido em alguns países ou estados, ou às escondidas, através da negligência com os idosos. Devemos enfrentar as causas mais profundas dessa erosão do valor da vida.
Quando toda a consideração sobre o bem comum é eliminada da formulação de políticas públicas, acabamos promovendo a autonomia individual, a ponto de excluir todos os outros valores e referências. Sem a visão de uma sociedade baseada na dignidade de todas as pessoas, essa lógica de mercado irrefreável acaba transformando o dom da vida em um produto.
O que Babel tem a nos ensinar?
Há um midrash, ou comentário bíblico, do século XII sobre a história da torre de Babel, no capítulo 11 do Livro do Gênesis. A torre era um monumento ao ego do povo de Babel. Para construir a torre, precisou-se de uma enorme quantidade de tijolos, cuja fabricação era muito custosa à época. Segundo o rabino, se um tijolo caía, era uma grande tragédia: a operação parava e o trabalhador negligente era castigado de forma severa. Mas se um trabalhador caía e morria? O trabalho continuava. Um dos que sobravam — escravos que esperavam na fila para trabalhar — tomava seu lugar, para que a torre pudesse continuar a ser erguida.
Quem valia mais, o tijolo ou o trabalhador? Qual deles era considerado um supérfluo descartável na ânsia pelo crescimento incessante? E o que acontece hoje? Quando ações de grandes corporações caem uns poucos pontos percentuais, vira manchete nos jornais. Os especialistas falam sem parar sobre qual poderá ter sido a causa. Mas quando um sem-teto é encontrado morto de frio, nas ruas atrás de hotéis vazios, ou quando uma população inteira passa fome, parece que não chama a atenção — e se por acaso chega a ser notícia, nos limitamos a balançar a cabeça com um gesto de pesar e prosseguimos, acreditando não haver solução.
Hora de escolher...
Foi isso que Jesus quis dizer quando afirmou que não se podia servir a dois senhores, a Deus e ao dinheiro. Na nossa vida, exatamente como nas nossas sociedades, se o dinheiro se coloca no centro de tudo, entramos em uma lógica de sacrifício: seja qual for o custo humano ou o dano ao meio ambiente, a torre deve ser cada vez mais alta.
Mas quando se coloca a dignidade das pessoas no centro, cria-se uma lógica nova: a lógica da misericórdia e do cuidado. Então, o que tem verdadeiro valor é reconduzido a seu lugar de direito.
Ou uma sociedade é voltada para uma cultura sacrificial — o triunfo dos mais fortes e a cultura do descarte — ou para a misericórdia e o cuidado. Pessoas ou tijolos: é hora de escolher.
Fonte: "Vamos Sonhar Juntos: O Caminho Para Um Futuro Melhor" do Papa Francisco.
Leia também:
Crise na Colômbia: manifesto dos teólogos
Maria e o Espírito Santo
Parturientes do Novo - I Congresso de Teologia Pastoral
Sinodalidade, diálogo, discernimento
Desafio contínuo de trabalhar a humanização
Direitos humanos dos encarcerados
Teologia Pastora: realidade, desafios e tarefas
I Congresso de Teologia Pastoral
Aberto processo de escuta para Assembleia Eclesial
Colocar as mãos a serviço
Igrejas (fechadas) e a pandemia
A CNBB nos respresenta: 58ª Assembleia Geral
Assembléia dos bispos, um olhar sobre a realidade
Podcast Mobon: confira!
Senso Crítico, duvidas e suspeitas
Paixão de Cristo e crucificados pela covid
Vida sim, vacina sim
Dia de oração pela paz em Myanmar
Acesse este link para entrar nosso grupo do WhatsApp: Revista O Lutador Você receberá as novas postagens da Revista O Lutador em primeira mão.