Antônio Carlos Santini
Disseram para nós que a República iria cortar pela raiz os privilégios da nobreza imperial e o luxo da aristocracia dominante. O rei foi deposto, os barões exilados, e o povo continua passando fome, enquanto os deputados depositam dólares nos paraísos fiscais.
Disseram para nós que o jugo dos Dez Mandamentos era opressor e impedia a liberdade do homem. Em lugar do Decálogo, milhares de leis invadem a área do arbítrio humano, tornando assunto do governo a vida de família, a educação dos filhos e o parto das mães.
Disseram para nós que o matrimônio cristão era uma gaiola sufocante e o amor-livre viria trocar a guerra pelas flores. John Lennon morreu e os bordéis estão cheios de escravos.
Disseram para nós que, se estudássemos bastante em nossa juventude, teríamos um bom salário na idade adulta. O IBGE informa friamente que o Brasil tem 13 milhões de desempregados.
Disseram para nós que um diploma universitário seria a senha infalível para iniciar uma carreira brilhante. Os diplomados estão vendendo pipoca na esquina e trabalhando como amanuenses.
Disseram para nós que os descontos mensais em nosso salário seriam a garantia da aposentadoria digna e de uma velhice tranquila. Os aposentados estão fazendo fila para ganhar uma cesta básica da caridade alheia.
Disseram para nós que a escola deveria deixar de lado coisas inúteis como a poesia e a filosofia, para ensinar técnicas de trabalho. As máquinas e os robôs estão fazendo o trabalho que não depende de pensar, enquanto os técnicos se tornam mão de obra obsoleta.
Disseram para nós que devíamos esperar que o bolo crescesse, e a seguir ele seria partilhado com os pobres. As empresas multinacionais não abrem do bolo e usam seus lucros para coroá-lo com cerejas cor de sangue.
Disseram para nós que o progresso viria rapidamente como resultado da exploração das riquezas naturais. O fumo negro nos ares, o lodo químico nos rios, as ilhas de plástico nos oceanos anunciam a implosão do planeta.
Disseram para nós que, chegando a República, todos os cidadãos seriam iguais perante a lei. Inexplicavelmente, o favelado leva chumbo, o indígena é expulso de suas terras, o operário é espoliado de seus direitos.
Enquanto isto, de seu trono, o governador Pôncio Pilatos pergunta:
- O que é a verdade?