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03/07/2021 Marcelo Barros Edição 3938 Igreja apostólica e Sinodalidade
F/ Dioc. Guaxupe
"Jesus entrega a Pedro as chaves do Reino. Isso é modo de falar próprio da linguagem apocalíptica. Dar as chaves do reino significa dar a pessoa a capacidade de interpretar corretamente o sentido das Escrituras."

 

Neste domingo, no Brasil, a CNBB nos faz celebrar a festa de São Pedro e São Paulo, transferida do dia 29 de junho. O evangelho (Mt 16, 13- 19) é escolhido por causa da palavra pela qual, conforme Mateus, Jesus teria dado a Pedro uma função especial na comunidade dos apóstolos: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.

Um ministério de unidade

Desde o terceiro século, pastores da Igreja justificam a autoridade do bispo de Roma sobre os outros bispos e as outras Igrejas locais, usando essa palavra de Jesus a Pedro e a partir de antiga tradição, segundo a qual o apóstolo Pedro teria sido pastor em Roma e ali sido martirizado. Atualmente, a maioria das igrejas históricas se dizem dispostas a aceitar um ministério de unidade, realizado pelo bispo católico de Roma, o papa. No entanto, não aceitam que esse ministério seja exercido como autoridade monárquica e não concordam com a visão católico-romana de ministério que sacraliza o poder.   

O papa Francisco tem insistido em que nossa Igreja deve ser sinodal. A sinodalidade é o contrário do poder hierárquico institucionalizado. Sínodo é caminhar juntos. E todos e todas juntos/as é que podem superar o clericalismo que o papa denuncia como sendo uma doença da Igreja.

É direito da Igreja apoiar-se na tradição. Mas, historicamente, não se pode pensar que Jesus tenha querido fazer de Pedro o chefe da Igreja Universal. Esta não existia nem na época de Jesus, nem ainda no tempo em que os Evangelhos foram redigidos. Também é claro que Jesus nunca pensou em dar sucessor a Pedro.

O padre José Comblin escreveu: “Do texto de Mateus não se pode concluir que Pedro teria um sucessor. (…) Quando o Evangelho foi escrito, Pedro tinha morrido provavelmente um quarto de século antes e o Evangelho não fala em sucessão”[1].  De acordo com os evangelhos, o único apóstolo que teve sucessor foi Judas Iscariotes.

Pedro como “gruta, abrigo”

De todo modo, podemos descobrir neste texto do evangelho de hoje uma palavra para nos ajudar a viver a fé e a discernir o papel do pastor que quer ser como Pedro na Igreja Católica atual (o papa).

O contexto no qual Mateus situa essa cena que ouvimos hoje no evangelho é de crise. Jesus tinha deixado a Galileia e com a percepção de que sua missão ali havia falhado. Ele não tinha sido aceito nem na sua aldeia de Nazaré. Retirou-se, então, para o território estrangeiro (do outro lado do Mar da Galileia). Sentia-se clandestino e em crise pessoal (poderíamos dizer, em crise de vocação). Por isso, propõe aos discípulos uma avaliação. Faz com os discípulos uma revisão de vida, a respeito do que o povo pensa da sua pessoa e da sua missão. A resposta dos discípulos mostra que o povo não compreende a proposta de Jesus. Ele escuta isso e pergunta aos próprios discípulos e discípulas: “E vocês mesmos o que dizem a respeito do Filho do Homem?

Esta maneira de Jesus se referir a si mesmo (Filho do Homem)  é misteriosa.  Ele sempre se dá esse título quando se trata de sua missão. Pedro responde em nome de todos: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (v. 16). Jesus vive a sua vocação de consagrado a tal ponto que só pode ser mesmo “filho de Deus”. Nem Pedro, nem a comunidade do evangelho pensavam em dizer que Jesus é a segunda pessoa da Santíssima Trindade, de natureza igual ao Pai. Para o evangelho, Jesus é o filho de Deus no sentido de ser o Messias, o enviado de Deus ao mundo.

É neste contexto que Jesus chama Simão de Pedro ou pedra. Conforme alguns exegetas, na época de Jesus, o povo tinha o costume de escavar as rochas para daí tirar pedras para construir casas. Era um tipo de pedra mais mole, facilmente possível de ser quebrada e partida para dar lugar a abrigos. Os buracos formados nas rochas recebiam na língua aramaica o nome de kepha. As pessoas pobres e sem casa se abrigavam nestas cavernas e as usavam como casas. Assim sendo, o nome Kepha pode ser traduzido por pedra ou gruta escavada na rocha, que servia de abrigo para os pobres sem-teto. Assim sendo, a tradução mais literal da palavra atribuída a Jesus seria: “Tu és Pedro e sobre ti como gruta que serve de abrigo aos mais empobrecidos quero construir a minha comunidade (Igreja)”[2].

Cristo Jesus, pedra angular

As comunidades cristãs primitivas acentuavam que a pedra da Igreja é o Cristo (Cf. 1 Cor 10, 11 e 1 Pd 2, 6). Vários salmos dizem que o Senhor é o rochedo da nossa salvação (Cf. Sl 18, 3 e 32; 31, 4; 61, 4; 95, 3; 144, 1). “No edifício da igreja, ninguém pode colocar outro fundamento que o Cristo Jesus, pedra angular” (1 Cor 3, 11).

Mateus é o único evangelista que usa a palavra ‘Igreja’. No seu contexto, significa a comunidade local: a assembleia dos cidadãos e cidadãs do reino de Deus. Para Mateus, Pedro é símbolo do discípulo a quem o Senhor confia o encargo de “confirmar na fé aos seus irmãos”.

Jesus entrega a todos/as e não só a Pedro a missão de testemunhar o Reino. No entanto, conforme Mateus, Jesus entrega a Pedro as chaves do Reino. Isso é modo de falar próprio da linguagem apocalíptica e se baseia em Isaías 22. Dar as chaves do reino significa dar a pessoa a capacidade de interpretar corretamente o sentido das Escrituras.

No capítulo 18 deste mesmo evangelho, esta função que aqui Jesus dá a Pedro, ele passa a toda a comunidade (Mt 18, 18). De certo modo, somos todos/as pastores e pastoras, chamados/as a viver a fé como rocha de segurança e acolhida para todos os nossos irmãos e irmãs.

[1] - JOSÉ COMBLIN, As linhas básicas do Evangelho segundo Mateus, in Estudos Bíblicos 26, p. 15.

[2] ´FREI JACIR FREITAS FARIA, in Roteiros Homiléticos, in Vida Pastoral, julho-agosto 2011, p. 36.

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