Roteiros Pastorais Homilética
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01/05/2020 Marcelo Barros Edição Convite para novo estilo de vida
F/ Pixabay
"Vem, minha amada. O inverno já passou. As flores já nascem nos campos, a rolinha está cantando. É tempo de amar (Ct 2, 11- 13)."

Marcelo Barros

Neste 4º Domingo da Páscoa, neste ano (A do lecionário), temos como texto evangélico João 10, 1 – 10, a primeira parte das palavras nas quais Jesus se coloca como o Pastor que Deus manda para o seu povo. Trata-se de uma discussão de Jesus com os religiosos do templo. Ele não hesita em acusá-los chamando-os de ladrões e exploradores do povo.

Para compreender bem esse evangelho temos de superar duas dificuldades: A primeira é que, na nossa cultura, pastor é figura religiosa. Os pastores são evangélicos ou bispos e padres católicos. Na época de Jesus o termo pastor era usado para indicar o chefe político, o governante. Os textos bíblicos se referem a Davi que, quando jovem, era pastor de ovelhas e se tornou pastor de Israel, isso é, rei. Jeremias e Ezequiel denunciaram os reis da época como maus pastores que não cuidam das ovelhas e tratam apenas das gordas que eles devoram. (Jr 23 e Ez 34). No tempo de Jesus, como o Império Romano oprimia economicamente o povo através do templo, os sacerdotes de Jerusalém e os rabinos das sinagogas acumulavam as duas funções. Eram ao mesmo tempo,  chefes da religião e chefes políticos, submissos ao império. Então, Jesus os agride diretamente ao se colocar como único pastor que tem direito a entrar no pátio das ovelhas (e o termo grego era o mesmo usado para o pátio do templo).

Além dessa confusão de linguagem entre a cultura antiga e os dias atuais, é preciso também lembrar que a linguagem de pastor e ovelhas tem outra dificuldade. Vivemos em um mundo urbano e não temos mais a experiência rural de pastor e ovelhas. Além disso, hoje, ninguém quer se colocar como ovelha de ninguém. A palavra “carneirada” é negativa. A nossa fé deve ser lúcida e crítica. Como falar de Igreja como rebanho e do ministro como pastor?

De todo modo, o que a figura de pastor nos diz é que Jesus se coloca como nosso guia e cuidador. Guardião de nossas vidas. Na época de Jesus, na Palestina, os rebanhos de ovelhas eram principalmente para o comércio de lã e não tanto para a alimentação. Durante o dia, as ovelhas eram soltas no campo. À noite, ovelhas de vários rebanhos e vários proprietários eram guardadas em currais coletivos. Pela manhã, cada pastor abria a porta do aprisco, chamava pelo nome as ovelhas que eram suas e só estas saiam; cada ovelha com o seu pastor. As ovelhas só saíam se ouvissem a voz do seu pastor. Se era um estranho, não reconheciam e ficavam no aprisco. Jesus se serve dessa imagem que ele conhecia no mundo da Judeia do seu tempo.

Nesse evangelho, Jesus fala do pátio do aprisco. Ao que parece ele falou isso no pátio (átrio) do templo e, portanto, ele está enfrentando ao mesmo tempo, o poder político e religioso. Para isso, ele usa três imagens: a da porta, a do porteiro e a do pastor. E as três imagens se fundem em uma só. A porta é por onde as ovelhas entram e saem. Assim, Jesus diz que é ele que nos permite entrar e sair, portanto, viver a liberdade como estilo de vida. Jesus está criticando a religião baseada em leis que prendem e não que libertam. Ele se coloca como o porteiro, isso é, é o único que tem chave da porta. Outros entram pela janela. Jesus diz só ele abre a porta para que as ovelhas entrem e saiam. Esta palavra se dirige à comunidade do evangelho. Não exclui que outras pessoas e grupos vão a Deus através de outros caminhos espirituais. Só afirma que não adianta se dizer cristão e ficar preso às leis e instituições religiosas opressoras.  Jesus se coloca como pastor nômade que chama as ovelhas para sair do aprisco. A função do verdadeiro pastor é tirar as ovelhas dos apriscos e currais, onde essas estão seguras. O pastor abre a porta do aprisco, chama cada ovelha pelo nome e vai à frente delas lhes dando segurança e as conduzindo para onde houver pastagens. Escutar a voz de Jesus e segui-lo é aceitar ser conduzidos/as por ele para fora dos apriscos, seja quais forem as prisões que ainda nos retêm, sociais, políticas ou religiosas. Se não for para sair e ser livre, é sinal de que a voz que nos chama não é a de Jesus, pastor. Ele diz: “Eu vim para que todos/as tenham vida e vida em abundância, em plenitude, ou como hoje dizem os índios: o bem-viver. Então, não se trata de ser religioso. Jesus não fundou instituição nenhuma. Ele nos propôs um caminho: um jeito de viver, um estilo de vida e esse é caminhar juntos – para o que produz bem-viver.

Hoje, esse evangelho nos revela a natureza do poder quando dominador. Isso se pode aplicar a governos como o nosso e a maioria dos governos do mundo. São apenas bandidos e salteadores que entraram no aprisco não pela porta normal, mas pelas janelas da exploração da ignorância de muita gente e do poder do dinheiro. Mas, Jesus se coloca como pastor também diante dos grupos religiosos que, indiferentes ao mundo dos pobres, pensam só em seus interesses e no caso de grupos católicos, na sua idolatria do poder divinizado e do Deus da lei a qual obedecem. Jesus veio justamente para trazer vida no próprio reinado da morte. Ele veio realizar o que dizia o Cântico dos Cânticos: “Vem, minha amada. O inverno já passou. As flores já nascem nos campos, a rolinha está cantando. É tempo de amar” (Ct 2, 11- 13).

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