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01/10/2019 Cardeal Pedro Ricardo Edição 3916 Ambiente e direitos humanos no Sínodo para a Amazônia Sínodo da Amazônia
F/ m.epochtimes.com.br
"Proteger a identidade dos povos indígena e o ecossistema de seu território é um desafio de justiça e esperança para a Igreja."

 

 

Cardeal Pedro Ricardo Barreto Jimeno*

 

Dirigindo-se aos povos indígenas amazônicos, o Papa Francisco disse: “A Igreja não está alheia aos vossos problemas e vossa vida, não quer ser estranha ao vosso modo de viver e de organizar-vos. Temos necessidade de que os povos originários plasmem culturalmente as Igrejas amazônicas”.

O Sínodo para a Amazônia e, mais amplamente, a missão da Igreja neste território são de fato a expressão de um significativo acompanhamento do cotidiano dos povos e comunidades que ali habitam. A presença da Igreja não pode de modo algum ser considerada uma ameaça à estabilidade ou à soberania de cada país. Ao contrário, ela é na realidade um prisma que permite identificar os pontos fracos da resposta dos Estados e da sociedade como tais, diante de situações urgentes em relação às quais, independentemente da Igreja, existem dívidas concretas e históricas que não podem ser esquecidas.

Por outro lado, a oportunidade de velar pela identidade desses povos e sua capacidade de proteger tais ecossistemas, segundo seu específico modo cultural e sua visão do mundo, pode permitir às nossas sociedades não amazônicas criar condições adequadas para apreciá-los, respeitá-los e aprender com eles. Nós esperamos que, a partir destas premissas, alguns governos possam superar posições de suspeita e ouvir com maior atenção as vozes frágeis e os apelos urgentes que vêm do território, das quais a Igreja quer fazer-se companheira de caminho e porta-voz samaritano e profético, tal como se afirma na parte III do Instrumentum Laboris do Sínodo.

 

Um território ameaçado

No contexto da Amazônia, a Igreja, desde o início, foi ao encontro das culturas, com luzes e sombras. Seguindo o mandamento evangélico, ela acompanha o ritmo com que se move o povo mais pobre. Nesta realidade se percebe a vitalidade missionária da Igreja na Amazônia. Esta porção do planeta é o bioma em que se manifesta a vida em sua extraordinária diversidade enquanto dom de Deus para todos aqueles que a habitam e para toda a humanidade.

Todavia, esse é um território sempre mais devastado e ameaçado. Segundo a doutrina social da Igreja, à missão de todo cristão se associa um empenho profético pela justiça, pela paz, pela dignidade de cada ser humana, sem distinção, dirigido à integridade da Criação, em resposta a um modelo de sociedade predominante que produz exclusão, desigualdade, e provoca o que o Papa Francisco definiu como autêntica “cultura do descarte” e uma “globalização da indiferença”.

Além de ser “fonte de vida no coração da Igreja” e um dos territórios com a maior biodiversidade no mundo, este bioma é também o lugar em que vivem há séculos muitas culturas, as quais atualmente veem sob risco a própria existência e identidade, por causa do modelo fortemente neoextrativista que hoje ali se impõe. Dispondo de todos os meios oportunos, da legitimidade em nível local, regional e internacional, de sua perspectiva histórica e em projeção futura, a Igreja pode colaborar com todas as instituições governativas, com as organizações da sociedade civil e, especialmente, com os próprios povos, na certeza de que a promoção, a defesa e as exigências dos direitos humanos sejam do genuíno interesse de todos.

 

Não podemos viver sozinhos

Em tal contexto, em setembro de 2014, foi criada a Rede eclesial pan-amazônica, que recebeu a aprovação da Santa Sé com uma carta do Papa Francisco, enviada através do Cardeal Pietro Parolin, Secretário de Estado. Nesta, afirma-se: “Não podemos viver sozinhos, fechados em nós mesmos. [...] Somente desse modo, graças à rede, o testemunho cristão pode atingir as periferias existenciais humanas, permitindo que o fermento cristão fecunde e faça progredir as culturas vivas da Amazônia e os seus valores”.

A experiência pastoral de décadas e dos anos recentes (como a Repam) nos faz compreender também que entre os responsáveis estão incluídos não só aqueles Estados onde se desenvolveram industrias extrativas, mas também algumas empresas estrangeiras e seus Estados de origem, ou seja, aqueles que apoiam ou favorecem os investimentos extrativos, públicos ou privados, fora de suas fronteiras nacionais, aproveitando as riquezas da terra ao custo de impactos devastadores do ambiente amazônico e de seus habitantes.

A maior parte dos Estados deste território subscreveu as principais convenções internacionais sobre direitos humanos e sobre os instrumentos associados aos direitos dos povos indígenas e à proteção do ambiente. Portanto, estamos certos de que eles se empenharão em observá-los. A Igreja deseja ser ponte e colaboradora para atingir tal objetivo voltado ao bem de cada um dos países representados neste território, isto é, à vida digna e plena dos povos que ali habitam e ao cuidado desse ecossistema essencial para o presente e o futuro do planeta. [...]

 

Testemunhas da esperança

Quanto a nós, membros da Igreja Católica na Amazônia, queremos ser testemunhas vivas de esperança e de cooperação, e continuar a prestar um serviço evangelizador que mergulhe as raízes no solo fértil onde vivem nossos povos amazônicos e suas culturas. Neste sentido, o Sínodo, enquanto evento eclesial, pode ser um sinal importante da resposta eficaz para a promoção da justiça e para a defesa da dignidade das pessoas mais atingidas. Em geral, acreditamos que todos – sociedade, governos e Igreja – podemos prestar atenção a essas vozes para assumirmos de modo mais consistente as nossas respectivas responsabilidades, diferenciadas e potencialmente complementares.

Queremos tornar nosso o enorme desafio que nos propõe o Papa Francisco quando afirma: “Creio que o problema essencial esteja em conciliar o direito ao desenvolvimento, inclusive o social e o cultural, com a tutela das características próprias dos indígenas e de seus territórios. Neste sentido, deveria sempre prevalecer o direito ao consenso prévio e informado, como prevê o artigo 32 da Declaração sobre os direitos dos povos indígenas”.

*Cardeal Arcebispo de Huancayo, Peru

 

Fonte: “Civiltà Cattolica”, apud Avvenire

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