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23/04/2019 Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN Edição 3911 A Reforma da Previdência e o direito a ter direitos A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos (Hannah Arendt).
Reforma da previdência
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"O que é inaceitável é fazer tais reformas sem um amplo debate popular, sem levar em conta a vida e a necessidade dos mais pobres..."

Pe. Rodrigo Ferreira da Costa, SDN*

Déficit da Previdência Social. Dívida Pública. Recessão. Ajuste fiscal. Reforma da Previdência, etc. São conceitos pouco comuns no dia-a-dia da maioria da população brasileira. Porém, são os grandes “demônios” que aterrorizam os pobres e ameaçam seus direitos. 

Nesse breve diálogo que te convido a participar, não pretendo me posicionar a favor ou contra a Reforma da Previdência, pois as leis existem para serem adaptadas e aperfeiçoadas ao seu tempo. O que é inaceitável é fazer tais reformas sem um amplo debate popular, sem levar em conta a vida e a necessidade dos mais pobres. Pois “o sistema da Previdência Social possui uma matriz ética. Ele é criado para a proteção social de pessoas que, por vários motivos, ficam expostas à vulnerabilidade social (idade, enfermidades, acidentes, maternidades ...), particularmente os mais pobres. Nenhuma solução para equilibrar um possível déficit pode prescindir de valores éticos-sociais e solidários” (CNBB). A Previdência, portanto, não pode ser reduzida a uma questão puramente econômica. Haja vista que o crescimento econômico nem sempre vem acompanhado de justiça social e de desenvolvimento integral dos povos.

 

Crescimento econômico e o desenvolvimento integral

A população brasileira já viveu em outros tempos essa falsa promessa de crescimento econômico desvinculado do desenvolvimento integral dos povos. “O bolo cresceu”, uns poucos comeram e ficaram saciados, mas o drama da desigualdade entre quem muito tem e nada tem, entre quem descarta e que é descartado permaneceu. Recordando São Paulo VI, o Papa Francisco lembra: “só o caminho de integração entre os povos permite futuro de paz. A Igreja está convicta de que o desenvolvimento integral é a via do bem que a família humana é chamada a percorrer. Desenvolvimento integral é integrar no desenvolvimento a economia, finanças, trabalho, cultura, vida familiar, religião. É como uma orquestra que toca bem se os seus diversos instrumentos estiverem bem afinados e se seguem uma pauta partilhada entre todos”.

Neste sentido, buscar “solucionar o problema” da previdência olhando apenas para o viés econômico é escolher o caminho da exclusão social. É fazer os pobres pagarem uma conta que não é deles. Muhammad Yunus, economista ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, afirma: “acredito que podemos criar um mundo sem pobreza porque ela não é criada pelos pobres. Ela é criada e mantida pelo sistema econômico que elaboramos para nós mesmos; as instituições e os conceitos que fazem parte desse sistema; as políticas que seguimos”.  Portanto, a promessa do governo de economizar R$ 1,072 trilhão com a reforma da Previdência, não pode “cegar” os nossos olhos diante de tantos rostos que ficarão à margem e que serão empurrados à miséria.

 

As pessoas estão vivendo mais...

Graças aos progressos da medicina, as pessoas estão vivendo mais tempo. Porém isso não significa que a sociedade se abriu à vida! Enquanto o número de idosos se multiplica, a exclusão também cresce. Os idosos, que são a riqueza de uma família e da sociedade, tornam-se muitas vezes um “fardo” difícil de ser suportado. “Enquanto somos jovens, em geral, ignoramos a velhice, como se fosse uma doença, uma doença da qual queremos ficar longe. Depois, quando envelhecemos, especialmente se somos pobres, se somos doentes ou sozinhos, experimentamos as falhas de uma sociedade programada sobre a eficiência que, consequentemente, desconsidera os idosos” (Papa Francisco).

Embalados pela cultura do consumo e da maximização do lucro, aqueles que não produzem nem consomem são “descartados”. Assim a sabedoria dos idosos, os anos de trabalho, a memória histórica que eles guardam não são levados em conta. Como nos recorda o Papa Francisco: “esta cultura pensa que os idosos não só não produzem, mas chegam a ser um peso: em síntese, qual é o resultado de um pensamento como este? Eles devem ser descartados. É feio ver os idosos descartados, é algo desagradável, é pecado! Não se ousa dizer isso abertamente, mas se faz concretamente! É horrível este acostumar-se à cultura do descartável. E nós estamos acostumados a descartar as pessoas. Queremos remover o nosso grande medo da debilidade e da fraqueza; mas agindo deste modo, aumentamos nos idosos a angústia de serem mal suportados e até abandonados”.

Com a ideologia do progresso presente em nossa sociedade criou-se uma rejeição a tudo aquilo que possa evidenciar-se como limite, fracasso, etc. Por isso, a velhice e a morte são negadas e escondidas. O homem econômico da sociedade de mercado é visado tão somente como um sujeito/objeto de possibilidade de lucro. Nega-se todo tipo de fracasso que possa parecer derrota. A velhice, por exemplo, é vista como um peso para a família, para o Estado, além de ser um contrassenso para a ideologia da eterna juventude. O que está em jogo, em última instância, é a nova antropologia que busca afastar do convívio social tudo aquilo que possa nos lembrar que somos seres finitos. “A invisibilidade dos velhos é a ponta do iceberg da profunda crise espiritual que atinge a nossa civilização. A raiz da nossa crise está no desejo de superar a condição humana pela acumulação ilimitada de riqueza, que causa a destruição do meio ambiente e a exclusão social de uma grande parte da população mundial” (Jung Mo Sung).

A longevidade é uma graça. “Os cabelos brancos são coroa de honra; a gente os acha nos caminhos da justiça” (Pr 16, 31). Por isso, “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (Estatuto do Idoso, art. 3). Os idosos têm direito a ter direitos.

           

O direito a ter direitos

“A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos”. Esta frase que a filósofa Hannah Arendt cunhou, ao falar dos direitos humanos e civis, continua ressoando em nossos ouvidos, principalmente nos momentos em que os nossos direitos fundamentais são ameaçados. No Brasil ainda carregamos uma “velha” ideia de que os benefícios sociais concedidos pelo Estado são “favores” e não direito dos cidadãos. Isso talvez explique o pouco interesse em participarmos do debate acerca das Políticas Públicas e de exigirmos do Poder Público a transparência e o cumprimento dos seus deveres. 

Nota-se que por não compreendermos as políticas públicas como direito dos cidadãos e dever do Estado, a participação popular nos debates como a Reforma da Previdência seja quase ignorado pelas autoridades e pouco exigido pela população. Porém, nenhuma democracia é forte sem uma legítima e verdadeira participação popular. Nesse sentido, “o debate sobre a Reforma da Previdência não pode ficar restrito a uma disputa ideológico-partidária, sujeito a influência de grupos dos mais diversos interesses. Quando isso acontece, quem perde sempre é a verdade. O diálogo sincero e fundamentado entre governo e sociedade deve ser buscado até à exaustão” (CNBB).

Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 (art. 6º) é clara ao estabelecer que a Previdência seja um Direito Social dos brasileiros e brasileiras. Não é um “favor” ou um “privilégio” concedido por este ou aquele governo. É direito. Sendo um direito conquistado às duras penas e com intensa participação popular qualquer reforma que ameaça tais Direitos Sociais precisa ser acompanhada de um vigoroso debate que envolva toda a sociedade.

 

A exigência de uma fé profética...

A fé cristã, encarnada na história, nos desafia a não permanecermos indiferentes e insensíveis diante do grito dos pobres e indefesos. As vozes das minorias que gritam no “deserto” de nossa sociedade precisam ecoar em nossas Igrejas. Como nos recorda o Documento de Puebla (N. 28), “vemos, à luz da fé, como um escândalo e uma contradição com o ser cristão, a brecha crescente entre ricos e pobres. O luxo de alguns poucos converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é contrário ao plano do Criador e à honra que lhe é devida. Nesta angústia e dor, a Igreja discerne uma situação de pecado social, cuja gravidade é maior quanto se dá em países que se dizem católicos e que têm a capacidade de mudar.”

Neste sentido, a exortação do profeta Jeremias que fala em nome de Deus continua atual em nossos dias: “Procurai emendar seriamente vossa conduta, vossa maneira de agir, defendendo ativamente o direito na vida social, não exploreis o migrante, o órfão e a viúva; [...] Então poderei morar convosco neste lugar.” (Jr 7,6-7). A prática da justiça é, pois, condição para Deus morar conosco. Por isso, precisamos nos sentir desafiados pela nossa fé a não nos calarmos diante das injustiças, porque o grito dos oprimimos tocam o coração de Deus.

 

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F/diariodocentrodomundo.com.br/ Henry-Milleo

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