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15/05/2020 Antônio Carlos Santini Edição 3924 A colcha de retalhos
F/ Pixabay
"Claro, de vez em quando o Evangelho incomoda... Alguns me chamam de conservador. Outros me acusam de esquerdista. Uns e outros ignoram que a Igreja não tem partido. "

Antônio Carlos Santini

 Quando fui para o colégio interno, antes de completar meus onze anos, levei comigo uma colcha de retalhos, trabalho de minha mãe. Longe de casa, aqueles retângulos coloridos compensavam em parte a distância e a solidão.

Um retalho florido era a sobra de uma cortina da sala. Os quadrados azuis- marinhos eram o resto de um capote de meu pai. Diferentes formas em amarelo e vermelho escondiam outras origens e outros usos. De qualquer modo, sob a colcha multicor eu me sentia em casa.

Este ano de 2020, completo 40 anos de serviço como missionário leigo, casado, 2 filhos, 5 netos. Olhando para trás, contemplo a Igreja que tenho servido e vejo claramente a colcha de retalhos da Igreja. Seria triste se ela fosse uniforme, monocromática. Talvez eu a sentisse como uma camisa de força, sufocante, impondo-me uma paisagem monótona e sem vida.

A Igreja que eu conheci nestes 40 anos inclui os catadores de limão de Irapuã, os cortadores de cana de São João de Itaguaçu, as lavadeiras de Marabá, as catequistas de Guriri. Da mesma colcha fazem parte os professores de Vila Velha, as crianças cuidadas pelas Irmãs Escolápias no bairro Palmital, em BH, os jovens em retiro de silêncio no sítio do Seminário de Petrópolis, em São José do Oriente.

Como esquecer aquele fim de semana em Paiva, quando 200 pessoas (10% da população local, inclusive o prefeito!) superlotavam um depósito de arroz para ouvir o Evangelho?

Como esquecer a pedra no piso da capelinha de Marituba, com a inscrição: “Aqui se ajoelhou para rezar o Papa João Paulo II?” E Dona Geralda, hanseniana, sem os dois braços, sem as duas pernas, respondendo com um largo sorriso à saudação “como vai?”: - “Estou viva!”

Como esquecer aquela viagem pioneira de 600 km – 60 casais em três ônibus – para implantar o ECC em Governador Valadares, em 1980?

Visitando esses lugares, conheci o galo que cantava sob a janela e não me deixava dormir. Experimentei a emoção de sobrevoar a floresta amazônica em um Bandeirante não pressurizado, com a água condensada a pingar do teto do avião. Tive paciência com o pároco de Tatuí, que protestava contra o preceito paulino: “Alegrai-vos sempre!”

Em 40 anos, partilhei o Evangelho com os Missionários do Sagrado Coração, os monges Olivetanos de Ribeirão Preto, as freiras Vicentinas, as Angélicas de BH, numerosas comunidades novas, como a Pequena Via (Viçosa), Água Viva (Curitiba), Luz dos Povos (Teófilo Otoni), Mater Dolorosa (Petrópolis), Aliança de Misericórdia (São Paulo), Magnificat (Magé) e tantas outras.

Como consequência da pregação, brotaram 40 anos de aconselhamento para jovens, para casais, orientação familiar e vocacional. Vieram também os cursos de formação para empresários, professores, seminaristas e catequistas e equipes de pastoral paroquial.

Como tradutor e revisor, colaborei com a Legião de Maria, as Franciscanas do Senhor, as Beneditinas de BH, o Foyer de Charité de Mendes, os Padres de Nossa Senhora da África, os Sacramentinos de Nossa Senhora e várias editoras.

Nos meios de comunicação, saudosas temporadas pela Rádio América, Rádio Gospa Mira e na TV Bandeirantes MG. Na Pastoral Carcerária, cinco anos levando a Palavra de Deus aos detentos da Casa de Detenção Dutra Ladeira, na Grande BH.

Minhas composições musicais foram gravadas pela Canção Nova, pela Comunidade Nova Aliança e vários cantores. Compus hinos para a Comunidade Jesus Menino, para a terceira idade de Rio Pomba e diversos outros Institutos. Minhas letras estão em missas de 4 Campanhas de Fraternidade. Há 15 anos, sem interrupção, a Internet divulga minhas reflexões sobre o Evangelho do dia.

Claro, de vez em quando o Evangelho incomoda... Alguns me chamam de conservador. Outros me acusam de esquerdista. Uns e outros ignoram que a Igreja não tem partido. Ela veste todas as cores, canta todos os ritmos, sofre com todas as dores.

Às vezes, à espera do sono, vou repassando aqueles espaços por onde passei: a Obra Kolping em BH e no Pará, a catedral de São Mateus, o CIEP de Suruí, a quadra esportiva de São Gotardo, o colégio abandonado de Itabira com a procissão noturna de baratas. A capela de fazenda em Lagoa Santa, o sítio da Lola em Rio Pomba, a rádio Tocantins de Araguaína, o estádio do Mineirinho, o convento franciscano de Itambacuri.

De fato, são muitas cores... mas Igreja, nossa mãe, é uma só...

 

 

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