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31/03/2021 Emerson Sbardelotti Edição 3934 31 de março de 1964: data a ser esquecida, jamais comemorada!
F/ Arte-Vida: Ateliê 15
"Na ditadura, figuras proféticas como D. Helder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns, D. Pedro Casaldáliga enfrentavam o regime militar com a clareza e a certeza dos seguidores de Jesus de Nazaré..."

31 de março de 1964: data a ser esquecida, jamais comemorada!

 Há 57 anos atrás, o Brasil entrava em um dos períodos mais terríveis, violentos e sangrentos de sua história contemporânea: a ditadura militar. O regime militar durou de 1964 a 1985, onde torturas, assassinatos e desaparecimentos aconteciam à luz do dia e nada poderia ser feito ou dito, pois a repressão e a censura proibiam qualquer pessoa de se pronunciar a respeito.

Infelizmente, em alguns extratos da sociedade brasileira e em alguns setores da Igreja, há pessoas que expressam abertamente este desejo macabro de um retorno de algo que vai totalmente contra os ensinamentos de Jesus de Nazaré, que queria vida em abundância para todas as pessoas (cf. Jo, 10,10).

Enquanto outros países da América Latina conseguiram prender, julgar e condenar os ditadores, os algozes, os torturadores; aqui no Brasil essa ferida continua aberta e sangrando cada vez mais. Por exemplo: a Lei da Anistia, aprovada em 28 de agosto de 1979, não inclui os crimes praticados por agentes da ditadura militar, como prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos, assassinatos, etc. Dando a entender que esta Lei protege e favorece os torturadores, deixando-os a salvo de uma possível prestação de contas da História. É preciso revisitar o passado para que os erros cometidos por lá não se repitam no nosso cotidiano.

Uma data para ser esquecida, jamais comemorada!

Naquele contexto, figuras proféticas como D. Helder Câmara, D. Paulo Evaristo Arns, D. Pedro Casaldáliga enfrentavam o regime militar com a clareza e a certeza dos seguidores de Jesus de Nazaré: “Se alguém quer vir em meu seguimento, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, salvá-la-á (Mc 8, 34-35).

E, por causa do Evangelho, foram perseguidos, caluniados, difamados, incompreendidos. Mas deixaram ao final de sua caminhada, junto de nós, muitos exemplos de como devemos nos comportar frente a uma realidade de medo e ódio: estarmos unidos: – “Ninguém solta a mão de ninguém”.

Amanhã, inicia o Tríduo Pascal, com a celebração que para mim é singular e muito profunda, aquela última refeição onde Jesus de Nazaré instituiu o serviço enquanto amor ao próximo, como prática de seu Evangelho: “Jesus se levanta da mesa, depõe o seu manto e toma um pano com o qual se cinge. Depois, derrama água em uma bacia e começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com o pano que se havia cingido” (Jo 13, 4-5). E fico pensando como é difícil lavarmos os pés uns dos outros neste momento sombrio de nossa história. O importante é que esta celebração do serviço no seguimento ao Mestre nos dá a certeza de nossa alegria se conseguirmos colocar este gesto em prática, apesar dos pesares.

Após sua última refeição, Jesus de Nazaré sai, e vai para o Monte das Oliveiras, e os seus discípulos o seguem: “Chegando a este lugar, ele lhes disse: ‘Rezai para não cairdes em poder da tentação’. E afastou-se deles mais ou menos à distância do arremesso de uma pedra e, tendo-se posto de joelhos, rezava, dizendo: ‘Pai, se quiseres agastar de mim essa taça... No entanto, não se faça a minha vontade, mas a tua!’. Então apareceu-lhe do céu um anjo que o fortificava. Tomado de angústia, ele rezava mais instantemente, e o seu suor se tornou como coágulos de sangue que caiam por terra. Quando depois dessa oração, ele se levantou e veio ter com os discípulos, achou-os adormecidos de tristeza. Ele lhes disse: ‘Quê! estais dormindo? Levantai-vos e rezai para não cairdes em poder da tentação’!” (Lc 22, 39-46).

Cálice! Expressão de rebeldia e resistência

Ao fazer a Partilha da Palavra desta perícope, em especial, não tenho como não cantar a canção feita por Francisco Buarque de Hollanda e Gilberto Gil, em 1973 e que faz um trocadilho de palavras: “Cale-se!”; com “Cálice”. Gilberto Gil conta que era uma sexta-feira santa, quando liga para Chico Buarque e diz que tinha uma ideia em torno da palavra Cálice. No sábado santo, Gil vai para a casa de Chico, que morava na Lagoa, na Borges de Medeiros, cidade do Rio de Janeiro... a lagoa entra também na letra. Na varanda, tomaram Fernet, a bebida amarga, tragar a dor... A ideia do cálice tem o cálice de beber, o copo, e o cale-se do verbo calar: o calar imposto pela censura, o calar imposto pela tortura, o calar imposto pelos sofrimentos. Gil fez duas estrofes, Chico fez duas estrofes... e a canção foi censurada.

A canção é sobre este momento em que se viveu no Brasil, e que alguns querem fazer emergir dos esgotos fétidos... A canção é sobre a dor, sobre o tormento, a repressão, sobre a censura... Ela tem um ar tristonho na melodia, e toca demais a nossa alma, mesmo depois de tantos anos.

Cálice

(Gilberto Gil / Chico Buarque)

Pai, afasta de mim esse cálice! Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice, de vinho tinto de sangue!

Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, engolir a labuta.
Mesmo calada a boca, resta o peito, silêncio na cidade não se escuta.
De que me vale ser filho da santa, melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta, tanta mentira, tanta força bruta.

Como é difícil acordar calado, se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano, que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa, atordoado eu permaneço atento.
Na arquibancada pra a qualquer momento, ver emergir o monstro da lagoa.

De muito gorda a porca já não anda, de muito usada a faca já não corta.
Como é difícil, pai, abrir a porta, essa palavra presa na garganta.
Esse pileque homérico no mundo, de que adianta ter boa vontade.
Mesmo calado o peito, resta a cuca, dos bêbados do centro da cidade.

Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado.
Quero inventar o meu próprio pecado, quero morrer do meu próprio veneno.
Quero perder de vez tua cabeça, minha cabeça perder teu juízo.
Quero cheirar fumaça de óleo diesel, me embriagar até que alguém me esqueça.

Deus vem para libertar...

A Teologia da Libertação, surge neste contexto conflituoso; produziu muitas lideranças preocupadas com a defesa da Vida e ainda hoje está presente, sendo útil e necessária na construção de um mundo mais fraterno, justo, humano. Naquele, como neste período tão complicado, um tempo de repressão a todas as pessoas que pensavam e pensam diferente, agiam e agem diferente, do que estava e do que está sendo imposto. A Teologia da Libertação é uma proposta clara para se praticar o Evangelho de Jesus de Nazaré e assumir por causa disso todas as consequências que virão por conta desta experiência no meio do povo, junto com o povo.

Ditadura nunca mais!

Uma santa, alegre e vigorosa Páscoa para todos, todas vocês!

Emerson Sbardelotti

Simplex agricola ego sum in regnum vitae.

 Foto: Arte-Vida: Ateliê 15

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