
Moda na vitrine
dione afonso r. pereira*
“O rei se levantou do trono, tirou o manto, vestiu um pano de saco e sentou-se em cima da cinza.” (Jn 3,6.)
Não raro nossos olhos brilham com as novidades apresentadas nas vitrines das lojas. Elas excitam em nós um desejo incontrolável de conquistar, a qualquer custo, o que está sendo exposto. Se estiver em liquidação, o sonho de possuir torna-se assim, aparentemente, mais palpável.
Este desejo de possuir é algo natural do ser humano, desperta nele, e sobretudo na juventude, aquela garra de correr atrás de suas conquistas. Desejar é algo prazeroso, e que contribui para a formação da própria identidade, para a autoafirmação e para afirmação de nossa cultura. Assim, em certo sentido, o desejo pode ser visto como uma virtude, contudo o desejo de posse deve ser regado e controlado para não cair num consumismo desenfreado.
A lógica da vitrine, impulsionada pelo poder da propaganda, traz à pessoa a sensação de autoafirmação e de conquista da identidade própria, pelo ato de comprar, de possuir. Também induz ao desejo de imitar o artista famoso, o jogador de futebol “do momento”, o cantor do ano… Não raro, o que parece virtude desvia-se para um verdadeiro vício. É quando as “estrelas” caem, ou o jogador famoso sai de campo. Assim, aquela roupa, aquele sapato, aquela música ou adereço ficam ultrapassados. A moda mudou! Vem uma espécie de crise de identidade e, com ela, o apelativo de mudar para acompanhar a “moda”, para não se tornar “demodé”.
Aí é preciso clareza e força de vontade, pois o desejo só se conserva como virtude quando ainda é possível “discernir o que é bom do que não é, e optar pelo que é bom” (cf. Rm 12,2).
Certos modos de vida, expostos nas vitrines, são comercializados como a “moda do momento”. Os que desejam andar no padrão desta moda, não raro “caem na atitude daquele homem que decide não assumir responsabilidades e passa a viver como um adolescente. Alguns chamam de complexo de Peter Pan. Vive em um mar de possibilidades e nunca está pronto para se engajar por algo, porque ele não quer colocar em risco a próxima possibilidade que se oferece. […] Quando vemos vitrines, não vemos homens verdadeiros, mas meninos adolescentes. Evidentemente, até mesmo a propaganda tem problemas para representar homens de verdade”. (Cf. GRÜN, Lutar e amar, p. 83.)
De forma semelhante, no que diz respeito à Igreja e à sociedade, de nada adianta “vestir a moda” do amor próximo, da opção preferencial pelos pobres, do carinho com os doentes, dos explorados pelo tráfico, da identificação pelos pequeninos, do “ter cheiro de ovelhas”, da quebra de protocolos…, se tudo isso não ultrapassar um simples desejo virtuoso e se não penetrar, de fato, o coração humano, resumindo-se apenas a uma roupagem exterior.
E pensar que existem religiosos ou pessoas da Igreja que assumem como “moda” certos gestos que, na verdade, são ações que já deveriam fazer parte de sua própria identidade. Consumistas de uma “moda do momento”, estão longe de uma verdadeira conversão. Conversão que parece ter saído da moda há muitos anos… Os que se vestem de sacos e sentam-se na cinza, na busca sincera de volta pra Deus, não figuram nas vitrines da moda, mas são os que gestam as verdadeiras mudanças…]
*Postulante sacramentino, estudante de Filosofia na FAJE–BH